Quando, no passado domingo, atravessou a linha da meta em terceiro lugar na prova sénior masculina dos Europeus de crosse, o português Youssef el Kalai ajoelhou-se, em lágrimas, tapando a cara com as mãos. Seria, de imediato, felicitado pelo atleta espanhol que o precedera, numa manifestação que extravasava a confraternização entre adversários. Ponto comum justificativo: tanto ele como Ayad Lamdassem são marroquinos de origem e, por um momento, esqueceram que corriam por países rivais.
Este foi o último episódio da incrível história de Youssef el Kalai, um marroquino de Tânger que resolveu emigrar para a Europa na tentativa de se tornar atleta profissional.
Esse passo deu-o aos 20 anos, em condições deploráveis. Eram cerca de 70 pessoas num bote de sete metros a caminho de Cádis, no Sul de Espanha. Demoraram quatro horas e depois ficaram três dias escondidos no mato, sem comer, à espera que os fossem buscar. Não era, pois, para Portugal que El Kalai queria vir. Espanha era mesmo o destino, mas tinha muito receio de ser apanhado e ter de regressar a Marrocos.
Foi, por isso, o medo de ser apanhado pela polícia espanhola que o trouxe, com mais dois amigos, para Portugal, onde confirmou que o sonho de se tornar atleta profissional no imediato era irrealizável. Portanto, teria de trabalhar e começou em Aveiro, numa empresa fornecedora de restaurantes. Acabou por conhecer pessoas que gostavam de atletismo e assim deu o primeiro passo, entrando para a equipa de veteranos do Cirac (Círculo de Recreio, Arte e Cultura) de Paços Brandão.
Em seguida, foi trabalhar numa fábrica de cortiça e, depois, numa empresa de reciclagem de papel, mas tendo chegado a Portugal em Agosto de 2001, só em Maio de 2002 se estreou em provas de estrada. Em 2004, passou a representar o Núcleo de Atletismo de Cucujães e, apesar de trabalhar a tempo inteiro, com défice de tempo e descanso para progredir tudo o que podia, acabou por chegar ao Benfica, em 2007, e depois ao FC Porto, nas duas épocas seguintes. Os resultados, embora a pulso, começaram a subir e acabaria por se estrear na maratona, em Lisboa, no final de 2005.
A naturalização como português tardou, mas aconteceu em 2009 e ajudou a que pudesse dar o definitivo passo em frente ao aceitar o convite do antigo atleta Eduardo Henriques para ingressar na Conforlimpa, empresa com uma equipa de atletismo especializada em longas distâncias. Foi residir para Alenquer, junto ao seu novo técnico, e passou, finalmente, a treinar-se a tempo inteiro. Foi Eduardo Henriques que o convenceu a fazer crosse a sério e, em Março, sagrou-se campeão nacional. No Verão, foi campeão nacional nos 10.000m e acabou por integrar a equipa lusa para os Europeus de Barcelona nessa distância, em que alcançou um oitavo lugar.
Nos Europeus de crosse, realizados em Albufeira, conquistou a medalha que poucos acreditariam possível, cumprindo pelo menos a primeira parte de um sonho que esteve para não se concretizar.
Fonte: Publico